sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Eixo

Olho em volta e tudo que vejo são becos sem saída,
Portas e mais portas de lugar nenhum
Num qualquer labirinto de palavras recicladas,
Numa ironia sem sorrisos de olhares desvairados,
De uma embriaguez sem desordem na ordem dos fatos
E do desespero de ver que a vida se esvai
Entre as mãos do cansaço de seguir adiante
No delírio do afago de uma lua minguante.

Olho em volta e tudo que vejo é um presente sem futuro,
Um passado sem memória no circo da vida
Esquecido nos frágeis fios da lembrança
De uma criança envelhecida pelo pesar dos pesares,
De um velho embevecido pelos apelos da infância
E pelas cirandas apagadas das raízes da história.
De um tempo em que viver era uma fantasia
E não um sorriso amarelo ao final do dia.

Olho em volta e tudo que vejo são metáforas
De um universo enrustido nas teias da memória,
De uma significância sem significado
No subjetivo esforço de dar ordem aos fatos.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Brilho intenso

Ontem ela apareceu desinibidamente radiante. Fitava-me de cima para baixo com uma inquietante exuberância, tamanha que me sufocava. E continuou por longo tempo quase imóvel, completamente despida, de tal ângulo que escondia de sua face branca e brilhosa qualquer imperfeição. Parecia desejar veementemente jogar-se sobre mim. E eu, já inebriado de prazer, guardava apenas um sorriso entre lábios e duas lágrimas, uma em cada olhar, que segurava a muito custo.

Não adiantou. Aquela cena me furtava o fôlego e o rosto enrubescido denunciava meu constrangimento. Tentei mudar o rumo da visão, olhava de canto de olho, mas ela continuava lá, destemida, afrontando minha timidez. Eu realmente não sabia mais o que fazer, afinal, me envergonhava por não aparecer tão belo e radiante assim para ela. Sentia-me agredido violentamente, mas de um jeito tão deliciosamente cruel que me dava mais alegria que raiva...não, não tinha raiva, mas também não sabia dizer se estava feliz... por enxergar e não conseguir desfrutar plenamente aquele momento. Tantos pensamentos em mente e tantos por vir que deixava apenas a hora passar e tentava furtivamente desviar o olhar, com certo medo de me perder e não voltar nunca mais a mim mesmo.

E ela? Ora... Continuou lá enquanto pode me torturar, me fitando, ameaçando cair sobre os meus ombros... realmente me pegou pra “Cristo”. Ah...essa lua me maltrata!